A realidade da herança digital

Olá, para todos vocês!! A partilha, a sucessão, a herança de bens (móveis ou imóveis), a modificação de regime de bens e até mesmo a possibilidade de escolha para os +70 (vide o entendimento recente do STF acerca da violação ao artigo 3º, IV, da Constituição). Contudo, é necessário falarmos da herança digital, afinal, a quem cabe a responsabilidade por aquele perfil em rede social ou mesmo a caixa de e-mails de uma pessoa que faleceu (de cujus)? Assunto interessante para uma boa prosa. Vamos lá?

Inspiração após uma leitura feita nos últimos dias de uma notícia que falava sobre um processo vindo lá de São Paulo (sob nº 1017379-58.2022.8.26.0068) em que uma mãe, após perder a filha, solicitou em juízo a “obrigação de fazer para desbloquear o aparelho Iphone Apple SE Ouro Rosa, registrado sob IMEI (…), bem como, para que transfira o controle do “IDAPPLE” de (…) à requerente, expedindo-se competente Ordem Judicial constando que a de cujus era usuária de todas as contas associadas ao “Apple ID”. Mas Dr. Rodrigo, por que a mãe pediu assim? Meu caro leitor, ela possui algumas premissas que lhe garantem esse direito. Continuemos na leitura dos pedidos, pois, “que a solicitante é a representante legal dos bens deixados pela falecida; que como representante legal, a requerente está autorizada a acessar dados pessoais e privados da falecida; que obrigue a empresa “Apple” a dar assistência em recuperar os dados das contas da pessoa falecida.”. Só nessas frases acima contidos na petição inicial já é possível separar alguns pontos de debate. Porém, vamos nos ater, e-x-c-l-u-s-i-v-a-m-e-n-t-e no que se refere a herança digital da falecida, tudo bem?!

A Apple não quis de forma administrativa ajudar. Logo, foi preciso uma ação judicial (Obrigação de fazer) para que o acesso aos dados da pessoa falecida pudesse ser realizado e assim dada a devida providência pertinente. Obviamente que a empresa contestou e alegou entre outros, que “as senhas de acesso que desbloqueiam os aparelhos ou que permitem acesso à conta são cadastradas única e exclusivamente pelos usuários e são criptografadas de ponta-a-ponta em razão da Apple prezar pela privacidade e segurança dos usuários.”. Até aí tudo bem haja vista essa informação estar disponibilizada no site e no manual do aparelho. Além disso, a empresa mencionou que sua recusa de concessão aos dados deriva do Marco Civil da Internet sendo, em especial o texto do artigo 7º “O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial.”. Tudo bem, Dr. Rodrigo! Mas onde está a novidade nesse assunto? Estais muito afoito, meu caro leitor. Vamos em partes já dizia o vilão de “A nightmare on Eml Street” (A hora do pesadelo no Brasil).

A vinda do Novo Código Civil marcará muitas mudanças em nossas vidas e em nossas relações comerciais e familiares. Dentre esses itens, a possibilidade de evitar ingressar em juízo, movimentando um poder da República cujo custo é bastante alto (rememore que já conversamos sobre esse tópico lá na Edição nº 423, de 03 de abril, com título “As despesas processuais no Brasil”) para a conquista de um direito que já poderia ser concedido de imediato, ou seja, um pedido administrativo acompanhado da documentação pertinente ao caso. Sim, essa questão é bastante complexa, pois, ensejaria uma discussão longa acerca da autonomia da vontade e dos direitos da personalidade (art. 5º, X, da CF/88 e art. 12, do atual Código Civil – Lei nº 10.406/2002) daquele ou daquela falecida. Afinal, quem garante que ela queria que seus dados fossem acessados após sua morte? Interessante e intrigante esse debate! Além disso, caro leitor, perceba que a herança digital é novidade na sociedade e, por consequência, no judiciário. Isso visto que as mudanças que a tecnologia trouxe foram exponenciais nos últimos 30 anos no Brasil e no mundo.

Esse tema não é mais embrionário, porém, passível de muitos e muitos argumentos de todos os lados possíveis. Por exemplo, sabia o leitor que existe a possibilidade de transformar um perfil de rede social em um memorial dedicado a pessoa falecida? Sim, é possível! No Instagram é preciso enviar um formulário à plataforma e anexar documentos que comprovem a morte do proprietário. Após, sendo deferido o pedido feito a plataforma, a expressão “Em memória de” será colocada ao lado do nome bem como manterá todas as publicações realizadas até então e, ainda, o bloqueio do acesso dessa conta após a mudança mencionada. E por aí, já decidiu o que fazer com sua vida digital quando deixar esta Terra, este plano, esta vida? Vale a pena pensar sobre… a vida é um sopro e a herança digital uma realidade!