O cala boca e o cárcere no trabalho

Olá, para todos vocês!! A área trabalhista é uma das mais complexas no Direito. Inclusive fazendo parte do rol de escolhas para a 2ª fase do Exame de Ordem sendo as outras a Cível, a Tributária (onde este advogado escolheu ser feliz!), a Penal, a Constitucional, a Administrativa e a Empresarial. Contudo, os bancos e cadeiras das faculdades não apresentam com a devida realidade o acontecer na vida prática e o caso trazido hoje para debate vem a demonstrar exatamente isso. Vamos conversar sobre?

Imagine você, caro leitor cumpridor de direitos e obrigações e pagador de impostos, ter a sua liberdade tolhida por alguém que você denunciou. O motivo eu conto logo adiante. Imagine também que a denúncia oferecida foi tratada por quem a ouviu da forma mais pífia e sem consideração possível. Pois bem, o caso gerou o Recurso Ordinário Trabalhista sob nº 0000047-46.2023.5.21.0005 que tramitou lá no Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (Rio Grande do Norte). Uma rede de fast food, aquela das esfirras, foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 20 mil a uma ex-funcionária que foi trancada em uma sala privada (de acordo com a autora por aproximadamente 4 horas), sofrendo então uma série de ofensas (calúnias, injúrias e difamações) bem como ameaças físicas e psicológicas. Um conjunto de absurdos que em pleno 2024 somos obrigados a ler. E o judiciário se fez presente ao condenar a empresa em 1ª Instância. Porém, como temos o consagrado duplo grau de jurisdição, quem discorda da sentença apela (vide art. 994, I, do Código de Processo Civil e art. 1.009, também do CPC). E foi o que a parte condenada fez. Apelou e… perdeu!

A juíza de 1º grau (também chamada de juiz de piso) cravou em R$ 5 mil os valores à título de danos morais. O leitor bem sabe, de tanto ser repetido, como este advogado aqui possui uma ojeriza quase milenar a essas condenações com valores irrisórios. O caráter punitivo e pedagógico passa longe de ser aplicado. Enfim, voltemos ao caso do dia. No recurso, a parte vencida alegou que a reclamante não trouxe comprovações documentais de suas manifestações – mesmo que no rol de provas da petição inicial estivesse um laudo médico com verificação de que a agredida possuía Transtorno Pós-Traumático (CID F43.1) após o fato gerador do processo. Em falas da autora “(…) a ausência de amparo e proteção por parte da empresa agravou o sofrimento da recorrente.” e que “(…) essa situação de desamparo é extremamente injusta e reflete uma postura negligente e insensível da empresa!”. O caso concreto aqui é bastante severo em seus relatos. Trarei apenas pontos focais para que o leitor tenha uma boa base de argumentos para os seus debates na faculdade, no almoço da família e no café tomado no intervalo da tarde na empresa onde trabalha. Em breve resumo, a ex-funcionária denunciou atividades suspeitas de sua gestora e de seu marido (também trabalhador da unidade da rede de esfirras) por desvios financeiros. Daí o superior fez o que não se esperava, além de um silêncio sepulcral condenou essa pessoa a ser vítima dos denunciados. A empresa alegou em sua defesa que “(…) aborrecimentos, contrariedades, frustrações, irritações ou pequenas mágoas são sentimentos que de maneira geral fazem parte do cotidiano do dia a dia de qualquer ser humano, seja no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar!”. Será mesmo?

Vamos aos escritos finais do caso. A desembargadora afirmou que a atitude do gestor foi absurda, pois, “(…) a quem deveria, além de manter o sigilo da denúncia, providenciar medidas de apuração e responsabilização das condutas denunciadas.”. E complementou “Pelo contrário, o teor da denúncia foi compartilhado justamente com os denunciados, que rapidamente trataram de ameaçar a empregada, bem como deslegitimar sua sanidade mental frente aos demais colegas de trabalho, chamando-a de ‘doida, louca’, e, ainda, que ‘precisava estar internada’.”. Importante mencionar que a agredida registrou Boletim de Ocorrência em visita imediata a Delegacia de Plantão de Atendimento à Mulher, em Natal/RN. Portanto, ao fim e ao cabo, temos um exemplo de como uma ação desmedida pode gerar um grande problema, afinal, a conduta foi de pessoas que naquele momento estavam no local de trabalho. Logo, representavam a empresa e por isso o CNPJ foi condenado e não os CPFs dos envolvidos na aludida agressão e cárcere. Se (tomara Deus que não) algo similar acontecer por aí desse lado, denuncie sempre!