A indevida justa causa

Olá, para todos vocês!! Para a advocacia como um todo é bastante claro que a área trabalhista é uma das mais complexas no Direito. Isso muito por conta não somente da constante mudança nas relações de trabalho (vide a pelotização e a uberização) a que os últimos 10 anos trouxeram. Além disso, a saúde do trabalhador, física e psicológica, ganha contornos severos quando, por exemplo e de acordo com o Ministério da Previdência Social, dos mais de 2,5 milhões de brasileiros que conseguiram o benefício de incapacidade temporária em 2023, 51,4 mil beneficiários foram em decorrência de lesão motivada por hernia de disco. Contudo, será que a empresa, ao saber que um trabalhador passa por problemas e sérios problemas mesmo em sua vida pessoal deve valer-se de sanções punitivas como advertências? Se o trabalhador faltar, a punição com desconto do dia no salário deve ser imediata e sem possibilidade de defesa (contraditório, no termo técnico)?
O assunto de hoje tem raiz lá numa decisão proferida pela 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) que manteve decisão de 1ª Instância afastando uma demissão por justa causa de uma trabalhadora de uma operadora de saúde. O contexto, para sabermos todos, é de que durante o contrato de trabalho, a pessoa veio a faltar não somente uma vez, mas diversas vezes sendo 8 delas “injustificadas” bem como reiteradas “condutas desidiosas”. Desídia (substantivo feminino), para quem não é familiar com termo, tem definição como “disposição para evitar qualquer esforço físico ou moral; indolência, ociosidade, preguiça, falta de atenção, de zelo; desleixo, incúria, negligência.”. Passado esse momento introdutório, na leitura da petição inicial – documento que abre os trabalhos de um processo judicial – alguns de suas muitas alegações serão deixadas de lado para que nossa conversa siga o caminho único do dia. Questões como adicional de insalubridade, ausência de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), ausência de intervalos (intrajornada), multas dos artigos 467 e 477, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e demais acerca dos reflexos de valores nas verbas rescisórias. Siga na leitura!
Na petição inicial há um trecho de importância ímpar que relata a situação da trabalhadora, ou seja, “que estava passando por problemas pessoais com seu ex-marido, relatando em seu trabalho sobre o que estava ocorrendo, para senhor “FELIPE” acabou contando para sua gestora senhora CRIS, e a “CAMILA” do Departamento de RH, vindo seu caso a ser espalhado por toda empresa, o que ao se sentir humilhada, acabou por faltar, acarretando sua demissão por justa causa, ocasionando desordens emocionais, atingindo a sua dignidade e identidade, interferindo negativamente na saúde e na qualidade de vida da mesma.”. Aqui há muitas informações e que servem para dialogarmos e refletirmos sobre muitos pontos. Dentre eles saber, o-b-j-e-t-i-v-a-m-e-n-t-e, se a empresa e seus funcionários ao saberem da situação relatada, do infortúnio vivenciado pela trabalhadora não fora, da forma como orienta a lei, não comunicaram as autoridades competentes. Ainda mais, onde estava, de fato, o Departamento de RH, que pelo que se demonstrou no processo, restou inerte apenas agindo quando da aplicação de sanções para essa pessoa? Como o caso aconteceu em São Paulo, vale ressaltar para o leitor e, principalmente, para a leitora a existência da Lei nº 17.406/2021 cuja ementa “Obriga os condomínios residenciais e comerciais no Estado a comunicar os órgãos de segurança pública quando houver em seu interior a ocorrência ou indícios de episódios de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos.”.
Ainda no processo (sob nº 1001022-10.2023.5.02.0028), a anulação da demissão por justa causa foi definida na 1ª e na 2ª Instância e serve de exemplo para todos os demais tribunais do país. Garantir a saúde do trabalhador não deve ser somente uma utopia lida nos livros, mas sim um caminho a ser seguido por cada um que faz parte da sociedade, afinal de contas, assim escreveu o relator do caso “Observa-se dos autos que a justa causa aplicada se deu em decorrência do número de faltas reiteradas e não por uma falta específica. Ocorreu a aplicação de uma dupla punição (“bis in idem”), o que é vedado pelo ordenamento jurídico, pois o empregador não pode agravar duplamente determinado ato faltoso. No mais, a prova oral produzida nos autos revela que as faltas não foram injustificadas, pois a empresa tinha conhecimento da violência doméstica sofrida pela autora.”. E então leitor, o que achou do caso do dia? Bastante intrigante, não é mesmo?! Ao início e ao fim do dia sempre deixe claro: DENUNCIE a violência doméstica e familiar ligando 180. Atenção sempre!!