A centopeia descalça

Olá, para todos vocês!! Os quilópodes (como conhecemos lacraias ou centopeias), cujo nome técnico é “Chilopoda”, são da ordem de 3300 espécies catalogadas atualmente e, ainda, variam entre 3 e 30 centímetros e possuem de 15 a 191 patas. Bastante, não é mesmo?! Dr. Rodrigo, mas qual a razão de iniciarmos o bate papo do dia com esse assunto? Explico, ansioso leitor! Em um processo judicial houve a determinação de penhora de uma coleção de pares de tênis. Coleção essa com um incrível alcance de 7500 pares. Esse colecionador – também a parte devedora no processo – agora vai ter que se despedir da coleção ou quitar a dívida.
A treta se iniciou com uma Ação de Execução de Título Extrajudicial, tramitando lá na 10ª Vara Cível da Comarca de São Paulo/SP. E se é um título extrajudicial é bom dizer o que está lá no Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) “Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas.”. Por isso é importante que os contratos particulares sejam assinados pelas partes e mais duas testemunhas, pois, assim a discussão se vier a acontecer será sobre o teor (valor) do documento. Caso não haja as testemunhas, vai dar mais trabalho até para pedir em primeiro lugar que o juiz considere válido o contrato para só depois buscar a reparação. Consulte seu advogado! O processo que serve de base para nossa conversa está sob nº 1104179-56.2023.8.26.0100 (TJSP) e só chegou ao momento do pedido de penhora dos itens colecionáveis porque não foi exitosa a busca de bens e valores do devedor para saldar a dívida. Para a execução de um processo, a legislação por vezes é ruim para os credores com favorecimento da vida dos devedores. Infelizmente para esse tema o otimismo não ganha dias de céu azul e brisa suave.
Existem sim opções como pedir o bloqueio de contas bancárias (SISBAJUD), a negativação do devedor (SERASAJUD), a penhora de salário (dentro dos limites que a lei permite para garantir o mínimo existencial de cada pessoa), o bloqueio de bens móveis, leia-se carros e motos, por meio do RENAJUD (sistema on-line de restrição judicial de veículos criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que interliga o Judiciário ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Tem outros meios sim, porém, a efetividade está intimamente ligada ao quanto o próprio judiciário está disposto a colaborar com o fim daquele processo. Como assim, Dr. Rodrigo? Bom, o bloqueio de conta bancária não é eterno e a “teimosinha” só é concedida por período de 30 dias. Daí ou o advogado, esse ser de luz e de amor cujo estatuto completou 30 anos no último dia 04 de julho, tem que ficar pedindo e pedindo… acredite, é bastante cansativo! E para piorar tem alguns juízes que não concedem ou a teimosinha ou quando concedem ainda diminuem o seu para uns 15 dias, por exemplo. E tem como piorar? L-ó-g-i-c-o!! Dentro do processo também é bastante complexo pedir que essa decisão seja sigilosa, pois, imagine o devedor e seu advogado observarem a movimentação processual alertando que haverá bloqueio em conta bancária. É óbvio que o devedor vai buscar alternativas malandrinha de se safar.
Portanto, é mais que necessária uma evolução na legislação que versa, que fale sobre as formas de execução e de busca de valores num processo judicial. Como somos um país cujo ordenamento jurídico é o positivado (civil law), isto é, seguimos a letra fria da lei. E isso é bom, porém, bastante exaustivo mesmo do ponto de vista de que a vida em sociedade é, por vezes e vezes, feita para a inadimplência, isto é, para o calote mesmo. E tantas quantas for possível, o advogado, esse herói de todos os dias, buscará ajudar e auxiliar seu cliente na busca de sua reparação. Contudo, mesmo sendo herói não possui superpoderes para fazer nascer dinheiro do chão ou localizar bens passíveis de penhora assim “do neida”. Assim disse o juiz do processo base de nosso bate papo do dia “No caso, verifica-se que os bens indicados pela parte exequente não possuem a proteção legal restritiva da responsabilidade patrimonial geral prevista no artigo 391 da lei 10.406/02: “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.”, considerando-se que as referidas normas quer sejam as previstas na lei 13.105/15, quer sejam as descritas em leis extravagantes tem como finalidade única a garantia de proteção aos direitos fundamentais. Como indicam as provas apresentadas, a pessoa natural em face da qual é cumulada a execução tem uma coleção de tênis, que de acordo com uma preliminar avaliação seria suficiente para quitar 07 vezes a dívida e por mais que entre o colecionar e os objetos exista um vínculo afetivo, tal fato não é suficiente para não reconhecer que, nessa situação, o direito patrimonial da parte exequente deve receber a tutela estatal.”. Com ou sem tênis, descalços ou não… continuemos a caminhar!