Os iguais e os desiguais e a treta do voo

Olá, para todos vocês!! Aproximadamente 10 mil religiões compõem a vida espiritual das pessoas em todo o mundo. Contudo, são quatro as mais expoentes sendo elas o cristianismo, islamismo, hinduísmo e o budismo que refletem 77% da população mundial. Nesse contexto é bom sabermos que dentro de uma religião a sua concepção e formação como grupo deriva de uma identidade absolutamente complexa, influenciada por diversos elementos como o étnico, o cultural e o linguístico. Agora, e se a alimentação também for um fator determinante para os praticantes de uma determinada religião? Serão eles os desiguais?

A alimentação kosher é deveras importante ao pessoal do judaísmo. Em pesquisa para nosso bate papo de hoje assim foi lido “Na tradição judaica, os alimentos kosher obedecem a uma série de regras chamadas kashrut, descritas no Torá, o livro sagrado dos judeus, com o objetivo de obter uma alimentação mais pura e nutritiva, tanto para o corpo, como para a alma. Logo, para que um alimento seja considerado kosher, ele deve respeitar essas regras durante a produção e o preparo, além de passar pela fiscalização por um órgão especializado e apresentar um selo específico (no caso de alimentos industrializados).”. Portanto, essa desigualdade merece uma especial atenção de todos os envolvidos e quando falamos em uma relação jurídica (negócio jurídico) se não for executada da forma contratada, ou seja, com claras informações acerca do assunto pode gerar uma grande dor de cabeça para pessoas e para empresas. E foi isso que aconteceu lá em São Paulo quando um passageiro, judeu, que ia de Guarulhos para Houston nos Estados Unidos. A companhia aérea não entregou a alimentação mencionada e foi condenada em danos morais. Vamos saber mais sobre essa treta.

O processo está sob nº 1031927-89.2022.8.26.0100 e tramita lá na 24ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Essa traquinagem da companhia aérea ocorreu lá em 2022 e gerou, de acordo com o relato da petição inicial, um jejum de 13 horas do passageiro. Além desse jejum imposto e não quisto, o pedido de danos morais se baseou não somente em um “(…) desconforto físico (fome, náuseas, etc), mas principalmente ofensa à sua honra, revolta por ter sido tão injustamente tratada, em clara negligência da Ré.”. Dr. Rodrigo, mas essa questão é puramente civilista ou o Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado? E-x-c-e-l-e-n-t-e a sua pergunta, meu fraterno e dileto leitor. O CDC (Lei nº 8/078/1990) foi sim aplicado uma vez que passageiro e empresa aérea se enquadram nos artigos 2º e 3º da Lei bem como a relação estabelecida entre ambos é de natureza consumerista. E na contestação, a companhia aérea deixou clara sua discordância no tocante aos argumentos do autor “Outrossim, importante esclarecer que, ainda que se tomem por verídicas as alegações autorais, o que se faz tão somente em sede de argumentação, o Autor não permaneceu todo o período da viagem em jejum, haja vista poder dispor de água, refrigerantes e frutas que são reconhecidos e supervisionados, sendo aptos à alimentação kosher.”. Que treta divertida e instigante de se ler e de se analisar sob a ótica desse maravilhoso mundo jurídico… o Direito é apaixonante desde sempre!!

Veio então a sentença onde o juiz decidiu que “Não há, na contestação, nenhuma afirmação categórica no sentido de que a alimentação especial foi fornecida. A ré, portanto, não afirma que forneceu o alimento solicitado, se limita a dizer que o autor não comprovou que o alimento não foi disponibilizado. A análise das provas, contudo, é feita após a controvérsia dos fatos. Não tendo havido controvérsia, presume-se verdadeira a alegação de que o alimento especial não foi fornecido.”. Entretanto, o autor apelou da sentença por discordar dos valores arbitrados à título de danos morais (R$ 6 mil) e a empresa aérea, em contrarrazões, solicitou negação de provimento aos pedidos do autor. E no acórdão (como o leitor já sabe, a sentença da 2ª Instância) restou definido que valor estipulado na sentença deveria ser mantido para que não houvesse o enriquecimento indevido da parte autora do processo. Por fim, estimado leitor, veja que a desigualdade de uns pode gerar prejuízos se não forem devidamente e integralmente considerados. A máxima jurídica de que “Devemos tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais na medida de suas desigualdades” nunca teve tanta razão de ser. Atenção sempre!!