Eu digo que posso e você diz que não pode?

Olá, para todos vocês!! Uma das situações mais curiosas do mundo jurídico são as decisões que não falam a mesma língua. Mas Dr. Rodrigo como assim? É notório, caro leitor, que o nosso judiciário brasileiro passou e passa por transformações que nem sempre acompanham as mudanças nas relações sociais, empresariais, comerciais. Isso ocorre pelo simples motivo de que a legislação é debatida quando fatos ocorrem e mesmo quando possíveis de acontecer sempre tem um malandrinho que busca formas novas de burlar as regras. E hoje trago para nosso bate papo um tema interessante.

A Quarta Turma do STJ decidiu que os estabelecimentos comerciais não possuem responsabilidade, isto é, afastou a responsabilidade de lojas por fraudes em cartões de créditos. A relatora do processo foi enfática ao afirmar em sua manifestação que “No cenário atual, exigir do lojista, caso seja utilizada  senha correta, que ele faça conferência extraordinária, para verificar se aquele cartão foi emitido regularmente e não foi objeto de fraude ou furto, não me parece razoável, até porque, enquanto não for registrada nenhuma ocorrência, é mesmo impossível atestar irregularidades.”. Pode-se mencionar que tal opinião é merecedora de muitos e muitos debates, pois, este próprio colunista como advogado discorda veementemente. E explico utilizando uma lei brasiliense.

A lei em questão era a de nº 4.132/2008 do Distrito Federal. Contudo, mesmo com uma ementa que privilegiava a prevenção de uso indevido de cartões (débito e crédito), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) foi reclamar no STF através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.228/2018. Aos amantes das ciências exatas percebam que entre a lei mencionada e a ADI em questão se passaram 10 anos. Lá no Supremo a CNC levantou a tese de que o DF invadiu a competência legislativa e privativa da União sobre a matéria, ou seja, só quem pode legislar sobre matéria de Direito Civil (art. 22, I, e art. 24, §§ 1º e 3º, da CF/88) é a União. No jargão popular significa que o DF meteu o dedo onde não deveria. Ainda sobre essa ADI as posições foram distintas tendo a Câmara Legislativa do DF pugnando pela constitucionalidade da norma haja vista “(…) que esta decorreria da competência legislativa concorrente em matéria concernente às relações de consumo.”. Já a Advocacia Geral da União se manifestou pela procedência do pedido da CNC, logo, requerendo ao STF que declarasse a lei inconstitucional independente do desejo de proteção aos consumidores quisto pelos parlamentares. Outra marretada veio do Procurador-Geral da República que sapecou um gancho de direita no queixo da CLDF indicando ser também contrário a lei em questão por considerá-la inconstitucional.

Mas Dr. Rodrigo essa lei era boa para garantir que as compras não seriam feitas mediante fraude. Sim, meu leitor otimista! Porém, devemos ter a sabedoria de entender que o ordenamento jurídico é mais complexo. E as decisões judiciais devem ser respeitadas e seguidas, pois, quando não concordamos devemos buscar a modificação na instância devida e com os remédios jurídicos específicos. E sempre com o auxílio do advogado! Voltando ao tema de hoje que é a possibilidade ou não do estabelecimento comercial exigir documento de identificação (com ou sem foto) para aprovação de uso de cartão de débito e crédito em compras presenciais. Infelizmente o STJ decidiu seguir essa linha de não responsabilização dos atores da cadeia de fornecedores. Em momento atual onde fraudes, furtos e roubos buscam cada vez mais atingir o patrimônio de cada um de nós levando em consideração que os golpes estão cada dia que passa mais modernos é um retrocesso, sob a ótica deste que vos escreve, a decisão da Quarta Turma.

Por fim, é necessário sempre levantar questões que nos guiem na busca de um arcabouço de privilegie sempre as melhores condutas e as prevenções de crimes. O lucro não deve ser rechaçado, mas também não deve ser perseguido a qualquer custo até em detrimento ao bom e harmonioso convívio entre consumidores e empresas. Todas elas, sejam bancos, bandeiras de cartões e os lojistas devem agir com a mais retilínea e a mais proba atitude em nome do Princípio da Boa-Fé Objetiva insculpido em nosso amado Código de Defesa do Consumidor. Como advogado sou contrário a decisão do STJ e você, caro leitor, o que pode me dizer sobre isso? Abraço e até mais!