A treta do caju, o Direito e a empresa francesa

Olá, para todos vocês!! A síndrome de vira-lata é algo que está enraizado em nosso mantra de brasileiro (infelizmente!). Várias teses e vários estudos antropológicos já buscaram e ainda buscam entender a razão de um povo como o nosso não acreditar em suas próprias habilidades. O extemporâneo Sérgio Buarque de Holanda já nos brindava com seu livro “Raízes do Brasil” quando falava sobre o famigerado “jeitinho brasileiro”. Recomendo demais a leitura dessa obra prima. Mas até onde essa questão deva ser aceita e tolerada restringindo direitos de nossa coletividade?

Um dos maiores prazeres desse colunista é poder falar com o leitor sobre casos recentes quase no mesmo dia em que acontecem. Logo, convido a todos para debatermos a questão da propaganda de uma empresa de cosméticos francesa cuja atriz era a Grazi Massafera. O objetivo foi divulgar uma nova linha de produtos a base de um pseudofruto, de uma iguaria deliciosa. O caju. Mas Dr. Rodrigo, eu não sei qual foi a treta. Explico. Essa empresa e seu time de propaganda e marketing colocou no ar um vídeo em que o caju aparece preso a árvore não de forma natural e, pior, a árvore apresentada nem mesmo era um cajueiro. Observem o tamanho da insanidade. Sigamos na questão.

Parece algo que nem deveríamos dar importância. Contudo, o ponto de hoje é o nosso direito enquanto país, enquanto povo soberano de termos respeitadas as nossas tradições, nossa cultura, nossa identidade, ou seja, o que nos faz diferentes de todo o restante do globo. Quer identidade melhor que uma boa cajuína geladinha? Quem nunca experimentou está perdendo tempo! A empresa vacilou e vacilou muito. Não creio em “liberdade poética” nessa situação. Ao se defender, seus representantes alegaram que “O time criativo e a produção executiva escolheram não seguir a estética real do fruto, colocando-o pendurado pela castanha e não em sua árvore nativa.”. E continuaram “Seguindo essa linha editorial, o time de marketing adotou o tom de voz leve, bem-humorado e descontraído da identidade da marca e seguiu com o vídeo para aproveitar a estética lúdica – já usada em outras campanhas – para causar estranhamento, o que poderia gerar maior engajamento nas redes sociais.”.

Caríssimo leitor e leitora, pelo visto a busca dos 15 minutos de fama cada vez mais rompe a barreira da sanidade intelectual. E olha que os envolvidos estudaram para isso. Prova viva de que nem sempre um diploma na parede garante sabedoria e conhecimento para todos. Quando Os Simpsons vieram nos visitar em um de seus episódios (T13E15) reclamamos de todas as piadas que ali estavam contidas. Reclamamos mais quando somos taxados de malandros, de termos apenas carnaval e de um turismo sexual frequente como uma terra dos bíquinis. Mas é preciso ir além e cobrar o devido respeito de todos. Dentro e fora do país. Se esse caju da propaganda, da forma como foi colocado estivesse num livro acadêmico comprado pela prefeitura, consideremos o tamanho do estrago para todos e não somente estragos financeiros. Isso vale para quem até hoje não sabe o motivo das cores do Brasil serem como são e o que representam.

A propaganda objeto de nosso papo de hoje é, sob a ótica desse advogado, um ato atentatório ao art. 36, do nosso amado Código de Defesa do Consumidor. Seus reflexos estão no art. 60 e nele está assim escrito “A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.”. Há quem defenda a conduta da empresa, colegas de profissão inclusive, pois, de fato, o produto tem como componente o caju. Mas compactuo com a opinião do Instituto Caju Brasil (ICB) que se manifestou assim “Esperamos, sinceramente, que a empresa possa corrigir o seu erro, através de campanhas compensatórias. O setor já vive diversos problemas, e ter a imagem da sua ‘identidade’ descaracterizada é muito triste!”.

Resumindo, liberdade é algo muito valioso para que possamos deixar que todos, pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras venham a usar de informações erradas e sabidamente erradas. Ou ainda há alguém aqui que não sabe por que a marca tal é a cerveja que desce redondo e não redonda? Reflitamos!